São inconsistentes as alegações das entidades corporativas do 
funcionalismo que se puseram a protestar e ameaçam ir à Justiça contra a 
divulgação individualizada dos salários e "vantagens pecuniárias" adicionais 
pagos aos servidores do Executivo federal. A determinação consta do decreto 
assinado pela presidente Dilma Rousseff na quinta-feira passada para 
regulamentar a Lei de Acesso à Informação que entrou em vigor na véspera. A lei 
marca um histórico ponto de inflexão nas desiguais relações entre o Estado e a 
sociedade, ao assentar o princípio de que a transparência deve ser a regra, e o 
sigilo a exceção, nas práticas da esfera pública. Denominado Governo Aberto, o 
conjunto de mecanismos destinados a intensificar o controle social das 
atividades e procedimentos estatais já foi adotado - com diferentes resultados - 
em 90 países.
Dos 934 mil funcionários incluídos na folha de pagamento da 
administração federal só não terão os seus vencimentos revelados os que 
trabalham em empresas públicas, sociedades de economia mista e outros entes 
controlados pela União que atuam em regime de concorrência, a exemplo do Banco 
do Brasil, Caixa Econômica e Petrobrás, sujeitos às normas da Comissão de 
Valores Imobiliários. Conforme a praxe internacional, o decreto preserva 
informações "cuja divulgação possa representar vantagem competitiva a outros 
agentes econômicos". Assim como a lei que regulamenta, o texto deverá 
constranger o Judiciário e o Legislativo a abrir também os proventos de seus 
quadros, contra o que já se insurge, entre outras organizações de representação 
de interesses corporativos, a Associação dos Magistrados Brasileiros.
São dois os argumentos dos sindicatos do funcionalismo. O 
primeiro é o da "invasão de privacidade". A resposta óbvia é que o público, ao 
custear com seus impostos a paga dos servidores por isso mesmo chamados 
públicos, é o seu patrão. Daí ter o direito de conhecer em detalhe, como o 
empresário do setor privado, quem recebe quanto na sua firma. De mais a mais, 
não apenas a remuneração, mas os cargos ocupados e as funções exercidas pelo 
funcionalismo são informações de interesse coletivo. "É o preço que se paga pela 
opção por uma carreira pública no seio de um Estado republicano", observou em 
2009 o ministro Carlos Ayres Britto, atual presidente do Supremo Tribunal 
Federal (STF), no julgamento da ação de uma servidora contra a publicação de seu 
salário (com os de todos os colegas) no site da Prefeitura paulistana. O STF deu 
ganho de causa ao Município. O governo do Estado, aliás, anunciou que seguirá a 
norma federal.
O segundo argumento das corporações é que a medida da 
presidente antes tira o foco da corrupção do que ajuda a combatê-la. "Os desvios 
não se dão no contracheque do servidor, mas nas negociatas dos gabinetes 
ministeriais", diz o dirigente sindical Oton Pereira, de Brasília. O comentário 
é uma "bobagem", responde o ministro da Controladoria-Geral da União, Jorge 
Hage. Os vencimentos serão divulgados, explica, não por suspeitas de corrupção, 
mas porque o governo tem o dever de prestar contas à sociedade. A rigor, é mais 
do que isso. Saber quanto ganha cada servidor da máquina federal simboliza a 
prevalência da "sociedade civil" (a população) sobre a "sociedade política" (o 
Estado). Não se sustenta, no caso, a afirmação do dirigente da confederação do 
funcionalismo federal, Josemilton Maurício da Costa, de que "transparência tem 
limite". Claro que tem: é o dos atos e fatos da vida pessoal do servidor que não 
interferem com a sua função pública, não sendo, portanto, objeto legítimo de 
interesse geral. Mas o seu salário é.
A grita, de todo modo, deixou em segundo plano outro artigo do 
decreto de regulamentação para o qual convém atentar - o que dá ao poder público 
o direito de não responder a consultas, no âmbito da Lei de Acesso, que sejam 
"genéricas, desproporcionais ou desarrazoadas", a critério do órgão a que a 
demanda foi dirigida. Nesse aspecto, "lei e decreto não dialogam", opina o 
professor Eurico Diniz de Santi, da Escola de Direito da FGV, citado pelo jornal 
Valor. "Vão em caminhos opostos."